quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Com palavras de outros, desabafo!



ESTOU CANSADO

Estou cansado sem rosto sem o querer
Estou cansado pela sombra do abismo
Estou morto sem sangue para viver
Estou cheio de palavras vãs de sufismos

Credo nos credos da alma moribunda
Com a redundância circular da pena
Existo na existência de uma cova funda
Persisto no ardor da sombra serena


Estou cansado de querer o que não quero
Estou cansado de ter o que não tenho
Estou morto por ter realizado o que espero
Estou cheio por abortar o que empenho

Credo nos credos vazios do coração
Não creio, querendo querendo a saudade
Existo na existência fina da solidão
Onde a maldade é a mais pura bondade

Estou cansado desta trova perdida
Estou cansado de palavras vazias
Estou morto no chegar da despedida
Estou cheio destas luzes sombrias

(retirado de http://gothicum.blogs.sapo.pt/3008.html)

Estou Cansado Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

0 comentários: